sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

lágrima

Era seu sonho.
Ele treinou a vida inteira para este momento.
A cada gota de suor de caia de sua testa nos treinos ele tinha mais certeza de que estava no caminho certo. Treinava de dia e à noite. Sob chuva ou sol.
E não era apenas dedicação. Seu corpo fora moldado pelos genes, como se anos de evolução humana tivessem culminado em seu ser. Um corpo adaptado para uma tarefa específica. Não ordinariamente, seus músculos e formas foram tão magistralmente formados para o fim que ele mesmo se propusera a alcançar, que quase parecia mentira. Era surreal para os outros competidores acreditar em seu próprio sucesso diante dele. Estava predestinado.

Entretanto, mesmo com tantos vetores apontando para o sucesso certo, com tantas certezas o circundando e o empurrando rumo ao pódio garantido, ele hesitou.
Ao se deparar com aquele obstáculo à sua frente, o qual havia superado por diversas vezes dias atrás e desde pequeno, ele tremeu. O que antes fora fácil, agora era o impossível. Ninguém o disse isso, ou o desmotivou nesse sentido triste e derrotista. Mas ele sabia.
O obstáculo antes familiar e inofensivo cresceu diante de seus olhos, tornando-se um colosso intransponível. A dúvida se multiplicou em seu coração. O que ele mais queria era vencer, superar a si mesmo e aos outros. Transpor esse obstáculo, para o qual ele havia treinado toda sua vida. Para o qual ele focou cada um de seus esforços em cada um de seus dias. Mas em sua mente, querer já não era mais poder.

E ele ficou lá parado. O mundo inteiro o assistia e esperava o espetáculo da superação humana. Mas não se moveu. Como que esperando o obstáculo descer dos confins dos céus e voltar a ter a altura que ele estava acostumado.

Nada aconteceu. Nada mesmo. Nem ele foi de encontro ao desafio que tanto almejou, nem o mundo parou de esperar sua coragem se manifestar. Ficaram tudo e todos, o atleta, o mundo e o obstáculo, inertes, imóveis, inevitavelmente solidificados, à espera do grande momento, que definiria os rumos do esporte e das vidas de todos os que observavam.

E exceto pela lágrima que escorria pelo rosto do atleta, nada mais se moveu por muito, muito, muito tempo...

sábado, 9 de abril de 2011

o dilema do jardineiro

No mundo existem muitos girassóis, não muito diferentes uns dos outros. Pétalas amarelas, miolo marrom felpudo, caule verde, rijo e comprido. Uma única flor. Girando. Todos bem semelhantes.
O que dá um toque especial é o jardineiro. Ou melhor, seu sentimento.
O jardineiro cuida muito bem de sua platinha. Rega, poda, aduba. E o cuidado faz ele pensar que seu girassol é o mais especial. Para o jardineiro, a relação dos dois é tão bela quanto a própria flor. Tão valiosa quanto o mais puro sentimento.
Mas o jardineiro vive angustiado porque, embora devote parte importante de sua vida regando, podando e adubando a bela planta em flor, esta só tem olhos (ou pétalas...) para o sol.
O Sol. Imponente, luminoso, inalcançável. O girassol passa o dia acompanhando-o de corpo inteiro.
E o jardineiro chora. Se encolhe no canto do jardim e abraça o que houver por perto. Se indaga o que fez ou faz de errado. Se é água demais, poda em excesso, adubo além da conta. Olha para o sol, longínquo. O lindo girassol nunca o terá, mas o fita sem parar. Minha querida flor tem-me quando precisa, reconhece o jardineiro. Sou todo cuidados, todo carinhos.
O girassol precisa do sol. É o círculo flamejante que o fornece a luz tão necessária para viver. Não que o faça por carinho ou consideração. Talvez nem saiba da existência dos inúmeros girassóis acompanhado, tal qual fãs, sua tragetória celeste. Mas sem o sol, não há planta.
O jardineiro pensa em criar margaridas, violetas, petúneas, líros, rosas. Essas sim, inclinadas ao seu cuidador, enfermeiro dos vegetais, tão atencioso quanto uma mãe. Mas e todo o cuidado com o girassol? Toda a história? Todo o tempo que passaram juntos? Desde a semente (salva das garras de um terrível hamster), da limpeza e forração do vaso; o intenso cuidado inicial; a escolha do melhor adubo; a primeira poda; as inúmeras regadas; o acompanhar do crescimento; até hoje, com a planta quase completamente crescida, acompanhando o astro-rei, esquecida de alguém...
E enxarcado em lágrimas o jardineiro pára. Vira-se. Observa, apaixonado, sua planta mais uma vez. E desiste. Definha. Assim como o girassol, que sem ser regado, podado e adubado, murcha. Ambos vão tombando, perdendo cor, perdendo vida. O homem no canto, a flor no vaso. E após algum tempo se esvaindo... morrem. O jardineiro de rosto colado à terra, com suas pupílas dilatadas de morte na direção da flor. E o girassol, ainda ereto, desistido de acompanhar o sol, se inclina, já ido, e observa, talvez pela primeira vez, o jardineiro.